O início da contestação ao projecto do Túnel do Marquês remonta a 21 de Setembro de 2000, quando a Câmara Municipal de Lisboa (CML), então chefiada por João Soares, apresentou a proposta 364/2000 para a redução do separador central arborizado da Rua Joaquim António de Aguiar, em favor de um aumento do número de faixas de rodagem no sentido ascendente.
O Núcleo de Lisboa da Quercus, através do Grupo de Ambiente Urbano (GAU) e após pedido de análise pela vereação do PSD, emitiu um parecer negativo, por entender que esta proposta visava contemplar a circulação de automóveis privados em detrimento do transporte público, implicando a destruição da totalidade dos choupos então existentes nesta artéria, substituindo-os por um número sensivelmente inferior de Jacarandás, o que foi entendido como um primeiro passo para subverter este espaço, privilegiando o trânsito automóvel.
A 16 de Dezembro do ano seguinte, a Coligação Lisboa Feliz (PSD/PPM), a única força a conter no seu programa a construção de um túnel rodoviário nessa artéria, sai vitoriosa com 42% dos votos, o que, no entender do GAU, não legitimava como projecto amplamente aceite a construção deste túnel.
Em Fevereiro de 2002, a Bastonária da Ordem dos Arquitectos, Arq.ª Helena Roseta, dá conta da preocupação em relação ao projecto e aos seus custos. Em Abril, a Quercus pede informações ao então Vice-presidente e Vereador do Pelouro do Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Professor Carmona Rodrigues que, em reunião com elementos da Quercus informa que o projecto do túnel estará em consulta pública a partir de 23 de Maio, ao abrigo da Lei 83/95 de 31 de Agosto.
Em Junho, é publicada a Deliberação n.º 164/CM/2002 de lançamento do concurso público para a realização da empreitada 3/DMIS/2002 de “Desnivelamento da Av. Duarte Pacheco, Rua Joaquim António de Aguiar e Av. Fontes Pereira de Melo”. A Ordem dos Arquitectos, a Quercus e o Geota pronunciam-se na única audiência pública realizada, embora desconhecendo em grande parte o projecto, pois a “consulta” estava alicerçada numa memória descritiva manifestamente insuficiente e em material gráfico de simulação. De qualquer forma, o entendimento da CML foi o da irrelevância destas opiniões.
A abertura das propostas apresentadas ao concurso público internacional ocorre a 10 de Janeiro de 2003. No mesmo dia a Quercus apelou à realização de um referendo e iniciou um processo de contactos com entidades tão variadas quanto as Juntas de Freguesia, outras Associações e Partidos Políticos com intervenção prioritária na área do Ambiente, fazendo eco dessa iniciativa através de intervenção perante a Assembleia Municipal de Lisboa.
Plataforma pelo Referendo ao Túnel
Os representantes do GAU são entretanto informados que o túnel se insere num plano, que viria a ser público muito tempo mais tarde, de criar autênticas circulares em túneis, internas à cidade de Lisboa. Tal plano agravaria as situações de indução de trafego, de poluição do ar e sonora, consumo de recursos energéticos fosseis, e descaracterização urbana e ambiental da cidade, desde já inevitáveis com a abertura do Túnel do Marquês.
A 11 de Fevereiro, o Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (GAIA), a Associação Lisboa Verde – Associação para a Defesa dos Espaços Verdes de Lisboa, o Movimento Partido da Terra, o Partido Ecologista “Os Verdes” e a Quercus constituem-se em Plataforma pelo Referendo ao Túnel e iniciam a recolha das 5000 assinaturas necessárias para requerer a convocação de um referendo junto da Assembleia Municipal.
Por entre as tentativas de fuga da Câmara à realização de uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) e a anulação do concurso internacional, por inexistência de propostas que contemplassem o previsto no caderno de encargos, é adjudicada a obra por ajuste directo, pela Deliberação n.º 268/CM/2003, ao consórcio de empresas Construções do Tâmega, S.A. e CME – Construções Manutenção Electromecânica, S.A.. Esta adjudicação recebe o visto do Tribunal de Contas o que desencadeia a reacção dos Partidos da oposição camarária e também da Quercus que apresenta queixa ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público. A 23 de Dezembro de 2004 o Tribunal de Contas determina proceder à inspecção dos aspectos financeiros deste contrato.
Durante todo o segundo semestre de 2003, a Plataforma vai levantando questões ligadas com o abate das árvores da zona envolvente, com a falta de transparência na consulta ao processo e com possibilidade de recorrer aos tribunais. O que culmina já em 2004 com a acção movida pelo membro da Plataforma José Sá Fernandes e com a entrega de uma queixa á Comissão Europeia, a 11 de Fevereiro.
Ambas as acções suscitam o maior interesse por parte de outras Associações, como a Associação de Cidadãos Auto-mobilizados e «Os Vizinhos», que se solidarizam juntando à queixa apresentada à Comissão, elementos diversos das questões ambientais, mas para eles relevantes.
Assinaturas entregues à Assembleia Municipal
A 20 de Abril e enquanto se espera pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, é tornado público que a Plataforma recebeu uma resposta da Comissária Europeia para o Ambiente, informando ter registado a queixa e ir alertar as autoridades portuguesas para o cumprimento da Directiva 85/337/CEE, com a redacção que lhe foi dada pela 97/11/CE. A CML reage violentamente, pela voz do seu Presidente, afirmando não receber lições de nenhuma Comissária de Bruxelas, afirmando não proceder a nenhum estudo de impacte ambiental e insinuando questões politico-partidárias na resposta.
No dia 26 torna-se público que o Tribunal Administrativo e Fiscal manda suspender as obras do túnel até à conclusão de um processo de AIA que deverá ter início no prazo de 10 dias úteis. Dois dias depois, o Secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, vem a público defender que não existe a necessidade de AIA. Nesse dia a CML pede ao Secretário de Estado a dispensa de AIA para a obra. A resposta veio na forma de parecer afirmando que a obra não carece de AIA, com base numa leitura do DL 69/2000, na qual duas alíneas diferentes são lidas como se de uma só se tratasse.
A tentativa de revisão da sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa requerida pela a CML é rechaçada e, em Setembro, o Tribunal Administrativo Central reafirma a sentença de primeira instancia, identificando contudo a obra como um túnel rodoviário, o que veio a abrir o caminho da decisão do Supremo, levantando a interrupção das obras, numa altura em que decorria ao processo de consulta pública de AIA.
A Plataforma decide então apresentar junto da Assembleia Municipal de Lisboa as assinaturas para a marcação de um referendo local, assinaturas que embora tivessem sido já reunidas, aguardavam pelas decisões dos tribunais, de modo a não se apresentarem como uma forma de pressão inaceitável. Numa “audiência pública”, as organizações anunciam que as assinaturas iriam ser entregues à Assembleia Municipal, o que vem efectivamente a acontecer no dia 16 de Dezembro de 2004.
Embora o processo de eleições legislativas tenha interferido de forma inesperada na calendarização prevista, por não poderem ser realizados actos administrativos relativos à marcação de referendos durante o período eleitoral ao abrigo do art.º 8 da Lei do Referendo, estamos, enquanto Núcleo de Lisboa da Quercus e enquanto Mandatários da Plataforma do Referendo, certos de ter levado esta questão ao melhor porto possível, de ter contribuído para todas as vitórias obtidas. Estamos certos de que com o Referendo, o Processo de AIA (ainda não terminado), o recurso para o Plenário do Supremo (devido às notórias deficiências na análise dos argumentos), a análise da queixa que decorre ainda junto da Direcção Geral de Ambiente em Bruxelas, e com todos os contactos que estabelecemos com inúmeras associações e estruturas ao longo desta caminhada, esta luta está ainda longe de estar perdida.
Carlos A. F. de Moura Presidente do Núcleo de Lisboa da Quercus QUERCUS Ambiente n. 13 (Março/Abril de 2005)