Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza
Quercus 1ª Sessão do Workshop «O Direito na Intervenção Ambiental» 19 de Março: Contra o Nuclear! XI Olimpíadas do Ambiente (2005/2006) XIII Jornadas de Educação Ambiental
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Entrevistas
«Cada pessoa deveria ter a sua horta»
Interrompemos uma das tarefas preferidas de Luís Carloto Marques, o recenseamento dos ninhos de cegonha-branca, para conversar um pouco com ele. No jardim da beira-mar, junto ao Parque Natural da Arrábida, onde trabalha, à beira do rio Sado. Agricultor, apicultor, fundador da Agrobio nos anos 80 e um activo militante pelo direito à não caça, este engenheiro florestal de 41 anos é o cabeça de lista pelo Partido da Terra às eleições europeias.

Entrevista com Luís Marques, cabeça de lista do MPT às europeias
Militante ecologista há pelo menos duas décadas, considera-se uma pessoa contemplativa. Que não consegue, apesar disso, deixar de intervir por aquilo em que acredita. E não pensa duas vezes, por mais dissabores que essa militância lhe possa trazer. É o seu modo de existir.

Quercus Ambiente - Como é que o Luís Marques veio parar ao número um do Movimento Partido da Terra (MPT) para as eleições europeias?
Luís Marques - O facto de eu ter sido escolhido pela comissão política nacional do MPT para ser o número um tem a ver com o meu passado de militante activo em associações de defesa do ambiente. O que faz sentido depois desta viragem no último congresso, onde o MPT se distingue como um partido claramente ecologista, com uma matriz humanista.

QA - Que mais valia tem o facto de ser agricultor e apicultor? Um verdadeiro ambientalista deve ter uma ligação directa com a terra?
LM – Não necessariamente. A agricultura e a apicultura correspondem a cerca de 50 por cento do meu rendimento pessoal. É uma escolha que tem a ver com a minha infância. Eu nasci numa aldeia da serra de Aires e Candeeiros, Bolseiros. Até à adolescência, vivi sempre no campo e nunca tive acesso sequer a uma televisão. Mais tarde frequentei uma escola agrícola, perto de Odivelas. Era impossível para mim viver numa cidade, porque me sentia sempre preso. Há ainda muito por fazer a nível da ecologia urbana. Todos os europeus que vivem na cidade deviam ter acesso a uma pequena horta. É um instrumento de sanidade mental, melhor do que um psiquiatra. Além de ser promotora de saúde, pois as pessoas dali tiram os frescos que consomem, e do ponto de vista económico não é desprezável. Isto é tudo para demolir! Estas estratégias de desenvolvimento têm de ser viradas do avesso. Assentam em pressupostos totalmente errados e insustentáveis, a começar pelo problema dos automóveis.

QA - Mas os europeus querem ser agricultores?
LM - Querem. Se for ao bairro da Bela Vista, em Setúbal, vê que os cabo-verdianos procuram avidamente terrenos para cultivar. E basta ver numa grande cidade, como Lisboa, como as pessoas procuram terra. Mas não há oferta. É como andar de bicicleta. No modelo actual, só um suicida, como eu, é que se propõe circular nas cidades. Mas tal como as cidades têm passeios também podem ter ciclovias. Seguramente muitas pessoas iriam para os seus locais de trabalho de bicicleta se houvesse uma ciclovia. Custa muito? A cidade do Montijo é um bom exemplo, nesse aspecto. As pessoas ainda têm vergonha de andar a pé e de bicicleta. Achamos que somos muito civilizados por andar de automóvel. Mas estou convencido que isso é o futuro, porque as gasolinas vão desaparecer, o petróleo vai desaparecer, e os preços vão tornar-se insuportáveis.

QA - Uma das propostas do programa eleitoral do MPT é precisamente tornar a economia europeia menos dependente do petróleo.
LM - Do ponto de vista da produção de electricidade, a Europa é hoje a maior potência nuclear do mundo, e está muito dependente desta forma de energia. Nós propomos o seu abandono, pelas razões que são sobejamente conhecidas. O tempo de vida de uma central nuclear é muito limitado, de 25 anos no máximo. Algumas já estão com 30, e há que encontrar alternativas. A energia nuclear tem dois grandes perigos, como sabemos. Um é o perigo de um acidente nuclear. Dizia-se que no desastre de Chernobyl, em 1986, só tinham morrido três ou quatro pessoas. Conhece-se hoje a dimensão da tragédia. Há depósitos de resíduos nucleares nos Estados Unidos que ninguém sabe como vão estar daqui a 50 anos. Não podemos é fechar as centrais nucleares de um dia para o outro, porque a Europa está dependente delas. Este processo de Quioto parece ter vindo dar um impulso à energia nuclear. Mas não tem futuro nenhum.

QA - Há grupos que se estão a movimentar para atrair apoios comunitários para o desenvolvimento da tecnologia nuclear…
LM – Se as tecnologias desenvolvidas não representarem perigo para a saúde humana nem impacte ambiental não vejo problema nenhum. Mas do ponto de vista energético é fundamental que a Europa encontre uma alternativa ao nuclear através de fontes sustentáveis. E que poupe energia. Portugal é um paradoxo onde se morre de calor no Verão, porque os nossos edifícios não estão acondicionados devidamente, e se morre de frio no Inverno, quando não estamos num país frio. A conservação da energia é fundamental. Temos construções mal feitas, que não têm do ponto de vista da sustentabilidade energética nenhum interesse. Somos consumidores ávidos de energia, quer no Inverno quer no Verão.

QA - Que consequências práticas têm as ideias defendidas pelo MPT?
LM - O MPT sugere, não é Governo. Mas há outros partidos que de vez em quando se lembram de ir ver os nossos programas e vão pondo em prática ideias que nós já propusemos. Nós somos precursores de ideias que até gostaríamos que fossem executadas por nós. O problema dos passeios e dos automóveis, por exemplo, foi uma grande luta de Lisboa que teve origem no Partido da Terra. É essencial poder andar a pé, ou de cadeira de rodas, para as pessoas que se movem por esse meio. As pessoas são prisioneiras de uma cidade que lhes é adversa, a começar pelos edifícios públicos, que não se actualizam nas normas para acolher pessoas com deficiências.

QA - Nas autárquicas de 2001 o Luís Marques candidatou-se por Setúbal e teve 174 votos. Na altura houve debates com todos os candidatos na televisão, e o MPT distinguiu-se por usar uma abordagem um pouco diferente…
LM - Quando cheguei a um debate televisivo levei uma pilha. Ninguém se lembrava que em Setúbal não havia um sistema diferenciado de recolha de pilhas. E o presidente da câmara da altura, Mata Cáceres, reagiu violentamente. Mal sabia que eu na intervenção a seguir ia puxar de uma bicicleta… ficou possesso.

QA - Agora é outro campeonato. Quantos votos seriam necessários para se sentar no Parlamento Europeu?
LM - Precisaríamos de cinco por cento dos votos, o que em qualquer país europeu é relativamente fácil de obter. Neste cenário, se votasse um milhão de pessoas seriam precisos 50 mil votos. É evidente que nas sondagens nem aparecemos. Este é um percurso em que defendemos ideias, e não pessoas. Todos os nossos candidatos têm percursos relevantes em termos ambientais.

QA - Que partidos europeus se poderiam considerar congéneres do MPT?
LM - Quase todos.

QA - Enquanto na Alemanha os Verdes estão no poder, em Portugal ainda não há muito tempo o primeiro-ministro colocava em causa a legitimidade democrática de uma deputada desse partido, em plena Assembleia da República.
LM - Os Verdes são uma criação do PCP, com base no modelo alemão. Não têm nenhuma ligação ao movimento ecologista. E nunca concorreram isoladamente a qualquer eleição.

QA - Como candidato de um partido ecologista às europeias, como é que avalia o papel que estes partidos têm tido na Europa?
LM - Não têm tido muitas oportunidades. Tiveram na França, na Bélgica, tiveram na Alemanha, agora na Letónia, em que o primeiro-ministro é de um partido Verde. Acho que têm tido um papel globalmente positivo. A Alemanha, onde os Verdes estão no Governo, já decidiu abandonar a energia nuclear. Têm tido um papel importante também nas questões da agricultura biológica. Chegaram outros lobbies ao poder. Há neste momento uma frente verde europeia. Há uma federação de partidos verdes europeus, com um programa comum que também se aplica a Portugal.

QA - Há quem diga que a politização desvirtua o movimento ecologista.
LM - De forma nenhuma. O partido político tem uma perspectiva global. Uma associação de defesa do ambiente não está necessariamente preocupada com as pessoas que têm SIDA, ou com o problema do Iraque, ou com o Acordo de Schengen. Um partido tem de estar.

QA - Portugal tem inúmeros processos no Tribunal Europeu por não transpor directivas ou por não cumprir normas ambientais. Que papel é que a União Europeia tem tido na aplicação de políticas mais amigas do ambiente no país?
LM - As poucas políticas ambientais que Portugal tem tido são resultado de políticas comunitárias. Não podemos pensar que a Europa é uma máquina que se limita a debitar dinheiro, e que não há em contrapartida regras para cumprir. No caso das Salinas do Samouco, o Governo praticamente ajoelhou-se quando pediu às associações ambientalistas que não fizessem queixa à Comissão Europeia, tivemos 15 ou 16 horas reunidos. O caso do LIFE é dramático, e demonstra a incapacidade do Estado português para assumir os seus compromissos. Até ao fim do mês o Instituto [de Conservação da Natureza - ICN] tem de provar que é capaz de ser um interlocutor válido para o LIFE. Este Governo quis extinguir o ICN. Como não foi capaz, está a estrangulá-lo financeiramente e a retirar-lhe competências.

QA - Depois da tragédia do Verão de 2003, como avalia as medidas de prevenção de fogos florestais para este ano?
LM - Como o secretário de Estado das Florestas - um anti-ambientalista de primeira que defende que o Ministério do Ambiente não tinha nenhuma razão de existir - não tinha financiamento, o primeiro-ministro inventou-lhe a ecotaxa. As verbas que podiam servir para criar ciclovias ou financiar os transportes públicos e o caminho de ferro estão a servir para combater os incêndios. Quando não há nenhuma relação directa. Portugal não é um país florestal, mas sim agro-florestal. Aquilo que aconteceu era mais do que óbvio. Defendeu-se em tempos que era através do pinheiro bravo que se ia recuperar os solos degradados do país. A seguir ao pinheiro veio o deserto. Essa grande mancha florestal, a maior da Europa ocidental, ardeu numa noite. O país é agro-florestal: tem pinheiros, sobreiros, pode ter eucaliptos... As grandes florestas estão nos países do Norte ou nas regiões tropicais, onde não ardem. Aqui tem de haver floresta e pecuária. Temos um país onde as pessoas são impedidas de entrar no campo. Por todo o lado se vê: proibido passear, proibido apanhar cogumelos. É preciso devolver os cidadãos ao campo, com responsabilidade. As grandes propriedades, detidas por sociedades agrárias que vêm das cidades, impedem as pessoas de viver no campo.

QA - O direito à não-caça foi criado recentemente em Portugal, e o Luís Marques distinguiu-se na sua defesa.
LM - Há dezenas de milhares de armadilhas licenciadas, que ninguém fiscaliza. O que se está a fazer é um ecocídio sobre as espécies, sobre os mamíferos nomeadamente. Eu e um colega desta lista decidimos ir uma tarde visitar os sítios de curtimentas de peles, e chamámos a GNR. Fomos disfarçados de compradores. Apesar do manancial de informação que foi recolhido não houve nenhum processo de inquérito. E os que foram accionados prescreveram.

QA - Como é que um país cria o direito à não caça e depois taxa esse direito?
LM - É o lobby que existe no Ministério da Agricultura, que permite que se matem os mamíferos em Portugal, sem qualquer validação científica e fora da época da caça. E esse mesmo lobby vê com irritabilidade todos os proprietários que não gostam da caça. Para eles era muito estranho que eu, com zero hectares, viesse defender o direito à não caça. Mal sabiam eles que eu tinha feito um grande trabalho de prospecção de campo e falado com muitas pessoas que se irritavam com a intrusão de caçadores. Quando Capoulas Santos era ministro da agricultura tratou de limitar este direito aos 25 hectares. Agora este Governo vem cobrar uma taxa a uma pessoa que não usufrui financeiramente mas que disponibiliza os recursos naturais. Porque as aves e os animais que estão lá também migram para outros sítios. As aves migratórias são um património de todos os europeus, não apenas de alguns europeus do Sul. Sofro muito quando vejo as aves migratórias do Norte da Europa a morrer em Portugal.

QA - Um dos pontos do programa do MPT é a segurança alimentar.
LM - Parece-nos que a Europa tem um problema de super-produção, o que se deve em parte à Política Agrária Comum (PAC). A componente ambiental da PAC tem de ser reforçada, e as outras formas de agricultura, baseadas nos adubos químicos, têm de ser penalizadas. Não faz sentido que por causa das Medidas Agro-Ambientais continuem a apoiar práticas de mobilização dos solos, quando todos os matos deviam ser repostos. Os nossos solos não têm nenhuma matéria orgânica, e as técnicas agrícolas desadequadas não ajudam. Quando o lobby verde estiver no poder, a visão sobre o desenvolvimento vai ter de mudar, é inevitável. Mas isso não acontece de um dia para o outro. Lembro-me que há 20 anos eu sofria muito na aldeia onde nasci por ver os meus companheiros andarem com pressões de ar aos pássaros. Hoje ninguém anda aos pássaros naquela aldeia. Outro dia o representante de uma associação de caçadores dizia que era preocupante o facto do número de caçadores em Portugal estar sistematicamente a diminuir... Tudo tem o seu tempo.

QA - Também esteve envolvido no movimento da agricultura biológica em Portugal...
LM - Fui uma das pessoas que fundaram a Agrobio. Nos anos 80, estava a estudar agricultura, e sentia que tinha que haver outra agricultura, que não aquela que existia, nem aquela que me ensinavam. Um dia passei em Lisboa e vi um papel que anunciava um colóquio sobre agricultura biológica com um francês. Fui logo lá, pedi-lhe o cartão e resolvi escrever-lhe uma carta. Nunca mais me respondeu. Decidi escrever outra, e ele lá me respondeu. Então fui com um amigo de autocarro, com um dicionário (que eu não sabia falar francês), até à casa dele. Ele perguntou logo se tínhamos herdades, nós respondemos que tínhamos zero hectares. Propusemos-lhe organizar um seminário de agricultura biológica, em Lisboa.

QA - Estiveram no Instituto Superior de Agronomia, por exemplo…
LM - Aquilo deu discussões violentíssimas com os professores do ISA! Foi uma coisa inenarrável. Estava ali o lobby todo da agricultura, embora houvesse um professor com uma sensibilidade diferente, que acabou por ser captado para o movimento. Nunca ninguém tinha pensado na relação entre agricultura e saúde. Não havia nenhuma cadeira que se debruçasse sobre isso. Em 1984, tinha 21 anos… andámos a recolher os nomes de pessoas interessadas e publicámos uma informação nos jornais a dizer que no dia 2 de Fevereiro de 1985, na rua Dona Estefânia, íamos reunir uma assembleia plenária para formar a Agrobio. São esses jovens militantes que agora se candidatam ao Parlamento Europeu. Já não são é jovens.

QA - Como é que é ser militante e que tipo de problemas é que isso traz quando se é funcionário do ICN e técnico do Parque Natural da Arrábida?
LM - Isso são mecanismos que se dominam. Há processos que passam por mim e coisas que eu sei, mas não falo sobre isso. Existe uma ética profissional. Mas das políticas ambientais e de conservação da Natureza falarei sempre, como dirigente político e como cidadão. No programa eleitoral falamos na conservação da natureza na Europa. Iremos a muitos parques naturais e falaremos daquilo que entendermos.

QA - Define-se como um militante ecologista?
LM - É uma luta muito difícil. Todas as militâncias são muito violentas sobre as pessoas e embora compensadoras do ponto de vista profissional, são desgastantes. Eu sou uma pessoa extremamente contemplativa, gosto mais de observar do que participar. Sinto-me bem a fazer a minha horta, a tratar das abelhas. Mas depois vou para o campo e começo a ouvir tiros e vejo indivíduos a matar aves. É uma agressão também para mim, a que eu tinha de reagir. E via as pessoas que eram proprietárias de terrenos a chorarem, assustadas com a violência dos caçadores. Houve até pessoas que morreram. E eu não morri, ainda hoje estou convencido, porque transportava o meu filho de dois meses nos braços. Fui emboscado por um grupo de caçadores, no início da manhã de 2 de Janeiro de 1994, em Castelo de Vide. Seis caçadores, cerca das 8 horas da manhã, esperaram-me à entrada da quinta. Estavam todos armados e dispararam vários tiros lá para dentro. Não tinham decerto intenções pacíficas.

QA - Esta entrevista acabou por inviabilizar o censo das cegonhas, a tarefa que tinha planeado para esta tarde, não?
LM - Não, amanhã continuo… A minha introdução à conservação da Natureza fez-se precisamente com o censo nacional das cegonhas, há 20 anos. Andava de bicicleta e nos jipes da câmara, em Idanha-a-Nova. Para mim foi uma coisa fantástica. Eu estava habituado ao mundo da minha aldeia...

Carla Gomes
QUERCUS Ambiente n.º 7 (Junho/2004)
 
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