Quem já percorreu as margens do rio Sabor e levou consigo a sensibilidade que nos devia caracterizar a todos como cidadãos, não fica indiferente à ameaça que paira sobre este extraordinário espaço natural.
Habituados a ver os inúmeros rios portugueses profundamente artificializados pelo Homem e carregados de poluição, o rio Sabor apresenta-se perante os nossos olhos como um dos últimos redutos onde ainda podemos encontrar a natureza no seu estado selvagem.
Os valores naturais que emolduram o vale do rio Sabor são inestimáveis e têm de ser protegidos a todo o custo perante o empenho do governo e da EDP em viabilizar a construção de uma grande barragem neste afluente do rio Douro.
A importância deste local para a conservação da Natureza em Portugal é evidente e indispensável. A ocorrência de um elevado número de endemismos e de uma elevada diversidade de habitats justificaram a inclusão de parte do vale do Sabor na Rede Natura 2000.
Neste que é um dos últimos rios onde a água corre livremente, sem barragens, ocorre uma interessante comunidade de aves rupícolas, a águia de Bonelli, a águia-real, o abutre do Egipto, a cegonha-preta, entre outras, facto que levou à sua classificação como Zona de Protecção Especial (ZPE).
Este extraordinário vale constitui também uma área crucial para diversas espécies de mamíferos carenciadas de medidas especiais de conservação, onde se salientam o lobo, a toupeira-de-água e a lontra. Todos estes valores faunísticos, florísticos, paisagísticos e geológicos, constituem um conjunto quase perfeito que confere ao rio Sabor enormes potencialidades para um desenvolvimento sustentável das localidades envolventes.
Ao contrário da miragem de desenvolvimento económico que ilude os autarcas locais e que não se concretizou em nenhuma das dezenas de barragens espalhadas por todo o interior do país, a preservação deste património ecológico constitui um enorme potencial para o aparecimento e crescimento do turismo da Natureza em Trás-os-Montes.
O principal argumento esgrimido pelos que defendem a construção da barragem, a produção de energia eléctrica através de uma fonte renovável, constitui uma enorme incoerência com a realidade que se vive no país. Portugal é um dos países da União Europeia com uma maior intensidade energética, ou seja, com pior eficiência na utilização da energia.
Os consumos de energia têm vindo a aumentar em cerca de 7% ao ano, enquanto o PIB anda entre 1 e 2%, o que corresponde a dizer que para produzir praticamente o mesmo estamos a gastar muito mais energia. A melhoria da eficiência energética terá de ser a prioridade do nosso país caso exista uma vontade verdadeira em atingir os 39% de energia renovável em 2010.
A energia obtida pela barragem a construir no rio Sabor, caso os ambientalistas não consigam travar esta pretensão, constituirá apenas 0,7% do esforço necessário para Portugal cumprir os seus compromissos no âmbito do Protocolo de Quioto, o que se revela insignificante face aos seus elevados custos ambientais.
Ainda assim, estes cálculos não tiveram em conta a perda de coberto vegetal, importante como sumidouro de carbono, nem as emissões associadas à produção das milhares de toneladas de cimento imprescindíveis na construção da barragem. Desta forma constatamos facilmente que seria mais sensato e eficaz para a redução das emissões atmosféricas de gases com efeito de estufa apostar na promoção de uma utilização mais racional da energia eléctrica.
Face a este conjunto de evidências e a muitas outras que aqui não é possível apresentar, não se compreende a decisão do Ministério do Ambiente em permitir a construção de uma grande barragem que irá destruir o rio Sabor numa extensão de 50 km.
Esta decisão é ainda mais difícil de compreender quando é claramente contrária ao parecer do Instituto de Conservação da Natureza, o qual considerou esta alternativa como a mais gravosa para o ambiente e manifestou a opinião de que a não construção da barragem seria a melhor opção a tomar.
Hélder Spínola Presidente da Direcção Nacional da Quercus QUERCUS Ambiente n.º 8 (Julho/2004)