Um ditado corrente nas conferências anuais sobre alterações climáticas é que o clima muda mais rapidamente que as posições dos negociadores.
A chefe de delegação dos Estados Unidos da América, Paula Dobriansky alinhou bem com o ditado e não podia ter sido mais directa na primeira conferência de imprensa na passada terça-feira na Conferência das Nações Unidas em Montreal, afirmando que o país se opõe frontalmente sequer ao começo de negociações sobre o pós-2012, tal com o Protocolo de Quioto no seu artigo 3.9 estabelece para o ano de 2005. Não foram assim suficientes os furacões Katrina e Rita, parte dos sinais sobre as alterações climáticas dada a frequência nunca antes de observada de furacões de tão grande intensidade num só ano, para demover a posição dos EUA.
O papel dos Estados Unidos (que desenharam o Protocolo de Quioto e o aprovaram em 1997, não vindo depois a ratificá-lo) continua a ser uma preocupação quase obsessiva de todo o processo negocial. As emissões deste país não param de aumentar. Apesar de uma redução entre 2000 e 2003 que se devem a condições económicas conjunturais, dados preliminares relativos a 2004 mostram que a tendência continua a ser o aumento. Tal desfaz dois argumentos tradicionalmente utilizados pelos EUA – que em termos de intensidade de emissões – dióxido de carbono emitido por unidade de produto interno bruto - estão a melhorar, e que acordos voluntários funcionam. De nada vale melhorar a eficiência se o resultado final continuar a ser um aumento de emissões dado que o peso global da actividade económica anula completamente as poupanças feitas. A administração continua a opor-se ao cumprimento de limites de emissão para o país, abordagem que já começa a ser suportada por senadores democratas e republicanos.
Mas felizmente dos Estados Unidos também vêm boas notícias, do Havai a New Hampshire, passando pela Califórnia e englobando individualmente 186 cidades, os governos locais e estaduais estão a começar a tomar acções para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. Frustrados com a posição da Administração Bush sobre alterações climáticas, começam já a existir compromissos de governadores e de presidentes de câmara actuando em sectores como o consumo de energia, investimentos em energias renováveis em edifícios públicos, promoção do transporte público para a população em geral e para os seus empregados em particular. É preciso que não haja mais tempo perdido e se avance no médio prazo sem acordo dos EUA, pois há a esperança de uma outra administração ter outra sensibilidade para esta questão.
Se os EUA são incontornáveis no contexto mundial, Portugal é incontornável na União Europeia. A divulgação na quinta-feira passada em Montreal e em Bruxelas de que a Europa irá, de acordo com as previsões, superar a redução de emissões de gases de estufa em relação ao acordado em Quioto é um excelente suporte para a negociação na Conferência das Nações Unidas. Já Portugal, que com alguma razão teve direito a um aumento de 27% das suas emissões entre 1990 e 2008-2012, é de acordo com as previsões o país que mais irá aumentar a sua poluição – cerca de 42% em relação a 1990. O mau aluno da Europa só se pode queixar de si mesmo e da ausência de políticas que tenham apostado na menor dependência dos combustíveis fósseis nos transportes e na produção de electricidade, olhando seriamente a conservação de energia e nas energias renováveis e tenha deixado atrasar consecutivamente as medidas que vêm surgindo nos Programas Nacionais para Alterações Climáticas (que desde 2001 estão sempre em revisão). O Governo continua aliás a dar sinais contraditórios ao continuar a farsa dos benefícios fiscais para quem queira colocar painéis solares em casa (porque o benefício não é cumulativo com o juros do empréstimo da casa) e o imposto automóvel que merece o elogio de integrar as emissões de dióxido de carbono, mas depois falha nas contas e penaliza os carros a gasolina que emitem menos.
A Quercus é mais pessimista que a União Europeia e aponta para um aumento para o período de 2008-2012 da ordem dos 50% em relação a 1990 (estávamos em 38,5% em 2003, mas este foi um ano de excepção por as barragens terem produzido muita electricidade – em 2002 as emissões foram 43,8% acima de 1990). Resta assim ao Estado Português levar este problema mais a sério e tomar as medidas internas necessárias (que são as mais estruturantes e custo-eficazes), investir em países em desenvolvimento em projectos que reduzam as suas emissões (que assim serão descontadas na nossa contabilidade) – mecanismo de desenvolvimento limpo, e depois ainda recorrer à compra de emissões (que deve ser a última prioridade). Mas tudo isto exige tempo e esforço e na Conferência do ano passado os nossos vizinhos ibéricos tinham reuniões diárias com os países da América Latina e do Sul para avançar com inúmeros projectos que agora já estão consubstanciados, enquanto que para Portugal tudo ainda está no reino das intenções. Os custos serão económicos mas serão também políticos.
De Montreal espera-se o começo de negociações com limitações mais fortes para o período 2013-2017 para os países desenvolvidos, mas também acções concretas em áreas relacionadas com alterações climáticas e que comprometam os países em desenvolvimento (por exemplo, uma redução dos incêndios causados pelo homem e da desflorestação, ou a necessidade de investir em conservação de energia e energias renováveis). Dia 9 de Dezembro, no final da Conferência, talvez o planeta possa dormir ligeiramente mais descansado, mas os sinais de um clima a mudar tendem a tornar o sono num pesadelo.
Franscisco Ferreira (*artigo de opinião publicado no jornal Público a 3.Dez.2005)