Portugal está a exceder os limites de poluição do ar e pode ser penalizado pela Comissão Europeia. A região de Lisboa e Vale do Tejo acaba de lançar um plano de redução de poluentes, que passa por restringir a circulação de automóveis e os acessos à capital.
A restrição aos automóveis, com portagens à entrada de Lisboa, e o acesso vedado de uma parte dos veículos em dias com “picos” de poluição, são algumas das propostas contidas num estudo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), que foi apresentado a 23 de Junho em Lisboa, no seminário “Ambiente e Lisboa e Vale do Tejo”, da Comissão de Coordenação do Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT). O estudo, coordenado por Francisco Ferreira, foi pedido pela CCDR e insere-se na estratégia da região para os anos 2005 a 2015.
O plano de melhoria da qualidade do ar, cuja versão preliminar já foi enviada à Comissão Europeia, pretende apontar uma estratégia de redução da poluição do ar e vai entrar em breve em consulta pública. Em Janeiro de 2005, os valores limite de poluentes como as partículas em suspensão e o monóxido de carbono, que afectam a qualidade do ar, tornaram-se efectivos. Até final de Julho deste ano, vai ser lançada uma estratégia europeia de combate à poluição atmosférica.
Portugal deveria ter apresentado um plano de redução em 2003, mas não o fez. O país arrisca-se a sofrer sanções, uma vez que os valores da poluição estão acima dos previstos na legislação europeia, sendo o caso de Lisboa o mais grave. Países como o Reino Unido, a Itália e a Alemanha também se debatem com graves problemas de qualidade do ar.
Fonseca Ferreira admitiu, em declarações ao Quercus Ambiente, que face aos atrasos “Portugal deverá negociar com a Comissão Europeia um deferimento dos prazos, para evitar sanções”. Quanto ao estudo elaborado pela FCT-UNL, e que resultou de um trabalho de nove meses da equipa de Francisco Ferreira, o presidente da CCDR adianta que este “vai ser apresentado ao Governo e aos municípios”, uma vez que a comissão não tem autonomia para fazer aplicar as medidas por si própria.
Avenida da Liberdade bate recordes
Análises feitas pelo Instituto do Ambiente, e citadas no estudo, comprovam que cerca de 75% das emissões poluentes provêem do tráfego automóvel, responsável pela emissão de dióxido de azoto (NO2), monóxido de carbono (CO), partículas em suspensão (PM10 e PM 2,5, mais pequenas e mais prejudiciais para o sistema respiratório), benzeno (C6H6) e outros compostos orgânicos voláteis (COV). As fontes industriais são responsáveis sobretudo pelo dióxido de enxofre (SO2), óxidos de azoto (NOx) e também pela emissão de partículas.
Os valores limite, mais a respectiva margem de tolerância, têm vindo a ser cada vez mais ultrapassados, de uma forma geral. A Avenida da Liberdade é uma das estações de qualidade do ar, geridas pelas CCDR, em que têm sido detectados maiores índices de excedência em relação aos limites estabelecidos pela Comissão Europeia. No que respeita às partículas em suspensão (PM10), em 2004 esta estação registou 119 excedências ao valor limite diário, quando para as partículas a legislação europeia só permite 35 excedências por ano.
Cascais e Entrecampos também têm maus resultados na medição de PM10, assim como o Barreiro (estação da Escavadeira) e Setúbal (Quebedo). Desde 2002, a estação da Avenida da Liberdade tem também vindo a ultrapassar a média anual de concentração de NO2. Os níveis de concentração de partículas e de NO2 reflectem directamente as horas de maior tráfego ao longo de um dia de semana.
São dados apresentados no diagnóstico feito pela FCT, e que levaram a equipa a propor o controlo do acesso dos automóveis a Lisboa. “Para estarmos em condições de cumprir, já teríamos de ter tomado medidas em 2003”, frisa porém Francisco Ferreira, coordenador do estudo “Planos e Programas para a Melhoria da Qualidade do Ar em Lisboa e Vale do Tejo”. 21 medidas permanentes e três medidas pontuais “SOS”, muitas delas para serem aplicadas já a partir deste ou do próximo ano, são propostas pela equipa da FCT.
Túnel do Marquês é um “grave erro”
Como medidas técnicas propõe-se, entre outras, a renovação das frotas de transportes públicos, incluindo os táxis. O aumento dos corredores “Bus”, a criação de portagens à entrada da cidade, tanto mais elevadas quanto menos pessoas levar o veículo, e a criação de Zonas Livres de Emissões Rodoviárias no centro das cidades (estas últimas já aplicadas em Londres) são medidas de gestão de tráfego consideradas fundamentais.
É ainda proposta a circulação apenas dos automóveis com matrículas pares e ímpares, em dias alternados, quando se prevejam episódios de maior poluição do ar, tal como já acontece noutros países europeus. “É essencial que estas medidas gerem receitas, como é o caso das portagens, e que estas sejam investidas na melhoria dos transportes públicos”, frisou Hugo Tente, coordenador da equipa da FCT que desenvolveu o plano, em colaboração com a empresa Inventar.
No que toca à poluição do ar, lembra Carlos Silva Santos, da Delegação Regional de Saúde Pública de Lisboa e Vale do Tejo, nem se pode falar de um limite a partir do qual haja efeitos na saúde humana. “Há sempre efeitos, e com os valores que temos actualmente são significativos”, frisa, “os efeitos são irreversíveis, mas as doenças e mortes apenas existem nas estatísticas e são de difícil diagnóstico directo”.
A diminuição da esperança de vida ao nascer e a redução das funções cardíacas e respiratórias são consequências que afectam ainda mais grupos sensíveis como os fetos e recém-nascidos, crianças, idosos e doentes com problemas cardio-respiratórios, como os asmáticos. “Hoje as crianças são expostas desde a nascença a elevados níveis de poluição do ar, o que não acontecia em anteriores gerações. É um problema de que ainda não conhecemos os efeitos, pelo que devíamos aplicar o princípio da precaução”.
Apesar de reconhecer que as medidas propostas podem vir a ser controversas, por limitarem a entrada de automóveis em Lisboa, Fonseca Ferreira frisa que é tempo de “adoptar medidas concretas” para deter os efeitos da poluição do ar sobre a saúde pública. Na conferência, apontou mesmo como um grave erro a construção do túnel do Marquês. “Há 13 anos, na Câmara de Lisboa, fiz parte de uma equipa que avaliou o projecto e desistiu dele, por considerar que ia induzir o aumento do tráfego automóvel no centro da cidade”, recordou.
O presidente da CCDR espera que o Plano de Mobilidade de Lisboa, que deverá ser divulgado em breve, tenha em conta medidas de limitação do tráfego automóvel e considera que é necessário tomar medidas urgentes para canalizar utentes para o transporte público. “É necessária uma grande estratégia de marketing para conseguir isso”, sublinha, para adiantar que a região de Lisboa e Vale do Tejo viu aprovada recentemente uma candidatura ao programa Mare, no âmbito do Interreg III, que visa a aplicação de novas tecnologias no sector dos transportes colectivos. Calcula-se que na Europa dos 25, em 2010, cada cidadão terá menos cinco meses de vida em consequência directa da poluição atmosférica.
A gestão dos recursos hídricos e os mapas do ruído, que têm vindo a ser elaborados pelos municípios de todo o país, foram outros assuntos debatidos no Seminário “Ambiente em Lisboa e Vale do Tejo”, que decorreu durante o dia 23 de Junho, no Fórum Telecom, em Lisboa.
No que respeita aos recursos hídricos, foi abordada a futura Lei-Quadro da Água e as consequências da sua aplicação, a monitorização, o licenciamento e a fiscalização, enquanto instrumentos de gestão destes recursos, com especial destaque para o caudal sólido no Rio Tejo. O Instituto do Ambiente e algumas autarquias da região de Lisboa e Vale do Tejo fizeram o ponto de situação sobre os mapas do ruído, fruto de uma legislação recente e um trabalho que ainda vai no começo. Oeiras e Almada apresentaram os projectos que têm desenvolvido neste campo. Catarina Freitas, do Plano Municipal de Ambiente de Almada, mostrou como mudanças próximas no sistema de transportes públicos do concelho, nomeadamente a entrada em circulação do Metro Sul do Tejo, vão ajudar a reduzir o ruído provocado pelo tráfego automóvel, dia após dia.